27/07/2021

Linguagem e estilo em Vico

O tema deste livro é o da linguagem nas obras filosóficas de G. Vico. É fácil notar o contínuo interesse pela linguagem recortar a obra filosófica de Vico, o que frequentemente, de modo apressado, levou a confundi-lo com os humanistas do Renascimento. Professor de Retórica na Universidade de Nápoles, Vico, desde as Orações Inaugurais, incumbências do seu magistério, reconheceu o fenômeno da linguagem como um terceiro termo indispensável à integralização da visão dualista, cartesiana, da natureza humana. Sem desprezar os méritos da escola de Descartes, ele acreditava oportuno apreender a res cogitans inclusive como um corpo que fala, sobretudo quando se tratava de investigar o mundo civil, moral e político. Convencido disso, em seus discursos exortou os jovens napolitanos a se dedicarem ao estudo da tópica e da poesia, e a considerarem a eloquência, em seu sentido amplo, como requisito da prudência. Mesmo no livro metafísico de 1710, onde esboçou o famoso princípio do verum-factum, a linguagem foi mais que uma coadjuvante. A metafísica exposta naquelas páginas, como sabemos, foi engenhosamente elaborada por Vico a partir das etimologias dos termos latinos antigos, à semelhança do que havia feito Platão no Crátilo, e aquela sua inusitada teoria dos pontos metafísicos, inspirados no ponto geométrico, se apoia toda ela num tipo de nominalismo para o qual os pontos não passam de definições nominais. Mas o melhor estaria ainda por vir e há nisso um consenso dos estudiosos.

Com efeito, as ideias originais de Vico acerca da linguagem viriam à luz nas sucessivas edições da aclamada Scienza nuova, portanto, só a partir de 1725. Aquela percepção inicial de que o homem forma uma tríade de alma, corpo e linguagem vinha empregada, a partir de então, no estudo das coisas e costumes humanos civis, nascidos em certos tempos e de certos modos. Mais interessado em entrar na mente rude dos primeiros autores das Nações, a linguagem se impunha a Vico como um fenômeno mais rico e multifacetado do que a simples representação de uma ordem racional estável e epistemologicamente superior, como vinha sendo abordada pelos modernos Locke, Arnauld e por Descartes. Fecundada pelo mesmo gosto erudito dos renascentistas pelo passado, mas servindo-se de um novo método ou “arte crítica” (de uma filologia filosófica), a nova ciência de Vico investigou na língua dos mitos, nas tábuas das leis, nos hieróglifos e brasões não as expressões dos filósofos, mas as impressões confusas, cheias de fantasia e de paixões, das mentes bárbaras da humanitas nascente, que, com extrema simplicidade e num tempo longínquo, muito anterior às primeiras línguas articuladas, transmitiu às gerações os princípios do mundo civil e suas instituições fundamentais: as religiões, a autoridade e o direito.

Os estudos publicados aqui dão conta das diferentes nuances, desenvolvimentos e descontinuidades desse tema tão caro ao autor napolitano e procuram delimitá-lo assumindo como critério um duplo recorte analítico, ou considerando, de um lado, o Vico “filósofo da linguagem”, moderno pensador do fenômeno antropológico da língua em seus aspectos cognitivo, religioso, político e jurídico, e do outro, o Vico “escritor” de poemas, orações e da monumental Scienza nuova, o hábil e genial autor de um sistema filosófico único também em sua expressão literária. Sobre esse aspecto, o livro articula e coloca em debate duas grandes e tradicionais vertentes dos estudos sobre Vico, a saber, aquela mais vasta, interessada em investigar as “tramas” da filosofia viquiana da linguagem – sejam suas apropriações da retórica e da poética clássicas (como os estudos de Sorrentino, Mooney, Lollini e Patella) ou as antecipações das discussões contemporâneas no campo da linguística e da hermenêutica (tal como vemos em Gadamer, Apel, Trabant, Danesi, Botturi) – e aquela vertente menos expressiva, mas não menos importante, que se debruça sobre a escrita viquiana inquirindo seja o estilo poético dantesco da Scienza nuova (como fez Fubini) ou o recurso frequente de Vico ao icônico e alegórico (no que foram excelentes Battistini e Stefania Sini).

Reunidas no livro estão as conferências proferidas durante o “III Congresso Internacional em Homenagem a G. Vico: a língua de/em Vico”, ocorrido nas dependências do Campus Santa Mônica da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) nos dias 25, 26 e 27 de outubro de 2017.

 

Organizadores:

Sertório de Amorim e Silva Neto

Pierre Girard

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