EDITORIAL - A visão do Guardian sobre o ensino superior: os seres humanos precisam das humanidades

30/04/2019 • Clipping

FONTE: https://www.theguardian.com/commentisfree/2019/apr/30/the-guardian-view-on-higher-education-humans-need-the-humanities

O governo autoritário e populista de Jair Bolsonaro no Brasil é culpado de muitos crimes. Alguns, como o ataque à floresta tropical, prejudicarão o mundo inteiro. Outros só vão prejudicar o Brasil: o exemplo mais recente é o anúncio de que o governo está considerando retirar financiamento do ensino universitário de filosofia e de sociologia. O ensino superior pode não parecer uma prioridade máxima em um país onde um terço da população adulta é analfabeta funcional. A política educacional do governo já é excêntrica. O mais recentemente dispensado ministro da Educação, ex-professor de filosofia, exigiu que as escolas filmassem seus alunos cantando o hino nacional e ouvindo o slogan eleitoral de Bolsonaro. Mas isso é sério.

A sociologia e a filosofia são assuntos que parecem aos seus inimigos produzir nada além de desempregados lamuriosos, fluentes em sofismas e subversão (Bolsonaro vociferou sobre a necessidade de “combater o lixo marxista” nas instituições educacionais). Autoritários promovem uma sociedade rígida na qual há espaço no topo apenas para alguns guias e filósofos. Eles precisam saber o que há para saber sobre a humanidade e a sociedade, mas todos os outros precisam apenas conhecer seu lugar. Este foi certamente o modelo contra o qual se rebelaram os grandes movimentos dos séculos XIX e XX para a emancipação dos trabalhadores. Há uma forte tradição democrática de autoaperfeiçoamento para fins morais que atravessa o socialismo e algumas formas de cristianismo antes dele. Todas essas pessoas entendiam filosofia e, de modo mais geral, o pensamento claro como uma ameaça às pretensões de autoridade e uma ferramenta para uma sociedade mais justa e melhor.

A sociologia é um caso especial de tal instrumento de autoaperfeiçoamento. Ajudando as pessoas a pensar sobre suas próprias sociedades e a se engajar com o que já foi pensado antes, ela pode contribuir para gerar melhores cidadãos e melhores pessoas. Entender os motivos dos outros é, até certo ponto, entender os nossos. Sociologia e filosofia não são áreas de formação profissional (“vocacional subjects”). Eles são as áreas que eclarecem nossa compreensão de qualquer formação profissional. O que acontece quando pessoas poderosas pensam que o bom senso pode substituir as disciplinas das humanidades é evidente nas terríveis consequências das redes sociais, construídas por homens jovens que compreendem códigos de computador profundamente, mas superficialmente tudo o mais, se é que compreendem. O filósofo Karl Popper ensinou que as áreas de investigação poderiam ser divididas em nuvens e relógios: aquelas cujos limites e funcionamento, por mais complicados que sejam, funcionassem de acordo com regras claras e explícitas, e aqueles em que isso não poderia ser feito. Pensar em problemas que são nebulosos por sua própria natureza e que não podem ser reduzidos a mecanismos de relógio é uma habilidade essencial no mundo de hoje, como sempre foi.

Não é, no entanto, aquela que é sempre exigida pelos empregadores. Autoritários políticos não são os únicos inimigos das humanidades. Há também a visão grosseira de que o ensino superior é meramente o servo dos mercados, embora qualquer pessoa instruída possa ver que esse é precisamente o caminho errado. Quando Bolsonaro elogia assuntos que geram "retorno imediato"; para o contribuinte, é uma justificativa conveniente para sua motivação ideológica. Outros realmente querem dizer isso.

The principles of liberal democracy are threatened by thuggery, but also by some forms of intellectual assault. If they are to be defended, and their practice improved, we need more philosophers and sociologists. It is the subjects of least obvious use that may prove of ultimate value.

Os princípios da democracia liberal são ameaçados pela violência extrema, mas também por algumas formas de ataque intelectual. Se eles devem ser defendidos e sua prática melhorada, precisamos de mais filósofos e sociólogos. São os assuntos de uso menos óbvio que podem se mostrar valiosos em última instância.