A área Ensino de Filosofia nos cursos de licenciatura em Filosofia: um estudo preliminar (1)

Prof. Dr. Christian Lindberg

UFS

17/09/2020 • Coluna ANPOF

Dr. Christian Lindberg L. do Nascimento (2)

Os pesquisadores em Ensino de Filosofia não sabem, do ponto de vista da estrutura acadêmica brasileira, seu verdadeiro local. Em alguns casos, são lotados nos Departamentos de Filosofia, em outros, no Departamento de Educação ou similares. Como se sabe, no âmbito das linhas de pesquisa da CAPES, ela não figura na área Filosofia, muito menos na Educação. Esta situação impacta na identidade da área de conhecimento Ensino de Filosofia.

No entanto, independentemente de um local determinado na estrutura da pós- graduação brasileira, a área de conhecimento Ensino de Filosofia existe na prática e está presente em diversos locais. Exemplos não faltam. Tem-se o mestrado profissional em Filosofia (Prof-Filo), que articula 17 universidades públicas, 160 docentes e 584 estudantes em rede (VELASCO, 2019b, p.87), o mestrado profissional em Filosofia e Ensino no CEFET-RJ; na experiência de mais de 10 anos de ensino de Filosofia na educação básica; nos encontros regulares do GT Filosofar e ensinar a filosofar; nas edições do Encontro ANPOF Ensino Médio; na publicação de um quantitativo de periódicos especializados; e, por fim, na capilaridade de dois programas destinados para a formação inicial do docente de Filosofia (PIBID e Residência Pedagógica). Como diz Velasco (2019a, p.08): “já há, no Brasil, um campo de conhecimento que podemos intitular de Ensino de Filosofia ou Filosofia do Ensino de Filosofia, o qual abarca produções bibliográficas e técnicas localizadas na interface entre a Filosofia e seu ensino”.

Entretanto, quando é analisado o interior dos cursos de formação para a docência em Filosofia nas universidades federais, mais precisamente no Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de cada um deles, percebe-se detalhes do problema de identidade da área. Há, inclusive, licenciaturas em Filosofia na qual os conteúdos com caráter pedagógico não são ofertados pelo Departamento de Filosofia, passando a impressão de que as questões relacionadas ao Ensino de Filosofia não são inerentes ao espectro filosófico, como observa Patrícia Velasco (UFABC):

A tradição universitária brasileira usualmente considera as questões do Ensino de Filosofia como de ordem exclusivamente pedagógica; nos cursos de formação de professores, estabelece-se uma nítida cisão entre as disciplinas filosóficas (aquelas que tratam de temas, das grandes áreas e da história da Filosofia – e costumam ser compartilhadas com o Bacharelado) e as disciplinas educacionais, as quais versam sobre didática, políticas educacionais, psicologia da educação e práticas de ensino – sendo ministradas, geralmente, para discentes de várias licenciaturas. (VELASCO, 2019b, 77)

O objetivo do presente texto é identificar a área de conhecimento Ensino de Filosofia no interior dos cursos de licenciatura, mais notadamente nos existentes nas universidades federais. Para tanto, os dados foram coletados nos PPC, totalizando 44 cursos de licenciatura investigados, distribuídos regionalmente da seguinte forma: 

* Gráfico 01 - Distribuição de cursos de licenciatura em Filosofia por região

Observa-se que a região Sudeste concentra o maior número de cursos, acompanhada da região Nordeste, Sul, Norte e Centro-Oeste. O único estado brasileiro que não possui curso de graduação em Filosofia (licenciatura) em uma universidade federal é Roraima. Por outro lado, se considerarmos o fato que existe, no país, 69 universidades federais, pode-se concluir que 63,76% delas formam professores de Filosofia, demonstrando a capilaridade e o papel das federais na formação inicial dos docentes de Filosofia.

O próximo dado analisado considera a Diretriz Curricular Nacional para o curso de Filosofia. Como sabe, a matriz curricular deve ser composta por disciplinas com conteúdo específico e atividades complementares. No caso específico das licenciaturas, acrescenta-se o Estágio Supervisionado obrigatório e disciplinas pedagógicas.

Na parte dos componentes específicos, a resolução nº 492/2001/CNE afirma que “O elenco tradicional das cinco disciplinas básicas (História da Filosofia, Teoria do Conhecimento, Ética, Lógica, Filosofia Geral: Problemas Metafísicos) tem se comprovado como uma sábia diretriz” (CNE, 2001, p. 03). Quando o assunto é licenciatura, a resolução menciona que “deverão ser incluídos os conteúdos definidos para a educação básica, as didáticas próprias de cada conteúdo [grifo meu] e as pesquisas que as embasam.” (CNE, 2001, p. 04)

Ao analisar as disciplinas que contemplam a área de conhecimento Ensino de Filosofia, observa-se uma variação muito grande nos cursos de licenciatura em Filosofia que são ofertados pelas universidades federais. Constatou-se, por exemplo, que dos 44 cursos, 18,18% não ofertam uma única disciplina da área e 34,1% apenas uma. Em outros termos, pouco mais da metade dos cursos de licenciaturas em Filosofia.

* Gráfico 02 – Número de disciplinas da área Ensino de Filosofia por IFES

As hipóteses para esta constatação são as mais variadas. A resposta mais aceita entre os pesquisadores da área afirma que há uma cultura bacharelesca nos cursos de licenciatura, fortalecendo certo predomínio da histórica separação entre bacharelado e licenciatura. É como se as universidades federais estimulassem a formação do estudante-pesquisador em detrimento do professor-pesquisador. Segundo Paula Ramos (UNESP/Araraquara).

Mesmo a partir de uma visão pouco problematizadora acerca do ensinar e do aprender em filosofia, o bacharelado deve lidar com o aprender filosofia em seu curso de graduação e caso venha a se tornar um professor do ensino superior terá que enfrentar o ensino de Filosofia que, até então, parece unicamente objeto daqueles que irão ministrar aulas no Ensino Médio ou, poderíamos dizer, na Educação Básica. (OLIVEIRA, 2015, p.228).

O curioso é que, mesmo se um dia o bacharel em Filosofia venha a realizar cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado), conclua-os e ingresse na vida acadêmica de forma profissional, há uma tendência muito grande dele ser docente de nível superior. No Brasil, por motivos diversos, a carreira de pesquisador é atrelada ao ambiente universitário.

Dito isto, ao esmiuçar o perfil das disciplinas da área Ensino de Filosofia, percebe-se que, entre as disciplinas práticas e teóricas, há uma oferta razoavelmente diversificada, contemplando aspectos de ordem metodológica, didática e conceituais, conforme quadro abaixo.

*Gráfico 03 – Nome da disciplina da área Ensino de Filosofia por IFES

Como se vê, a disciplina Metodologia de Ensino aparece no PPC de 15 cursos de Filosofia. Em seguida, tem-se Prática de Ensino (9), Didática Filosófica (8), Seminário de Ensino (5), Ensino de Filosofia (4), Filosofia do Ensino de Filosofia (4), Laboratório de Ensino (4) e pesquisa e Ensino de Filosofia (4).

Embora não seja disciplina, o Estágio Supervisionado visa colocar em prática os ensinamentos técnicos e pedagógicos aprendidos no decorrer da licenciatura. Assim, constata-se, por determinação legal, que o Estágio Supervisionado obrigatório, totalizando 420h distribuídos ao longo do curso, aparece no PPC de todas as licenciaturas em Filosofia. A distribuição da carga horária destinada ao estágio varia no decorrer de cada curso. A maioria distribui em dois semestres letivos, podendo chegar a dividi-la em cinco momentos. No gráfico 04, buscou-se evidenciar a quantidade de estágio supervisionado ofertado por curso.

*Gráfico 04 – Frequência do estágio curricular nos PPC

Entretanto, aprofundando mais a análise dos dados coletados, percebe-se a peculiaridade de cada curso. Por exemplo, que 8 (oito) licenciaturas em Filosofia não ofertam nenhuma disciplina específica para discutir questões pertinentes ao ensino de Filosofia (UFAC, UFAL, UFAM, UFC, UFCA, UFFS/Chapecó, UFG, UFS). Por outro lado, o curso de Filosofia da UFCG tem 8 (oito), a UFOP 7 (sete), a UFMS e a UFSM ofertam 6 (seis) disciplinas no decorrer da graduação. O gráfico 05 revela o quantitativo de disciplinas da área Ensino de Filosofia e o quantitativo de Estágio Supervisionado que é ofertado nas licenciaturas em Filosofia de cada universidade federal.

*Gráfico 05 – Distribuição das disciplinas da área Ensino de Filosofia e Estágio por IFES

Como registrou Velasco (2019, p.19a), “já há um número significativo de pesquisadores e pesquisadoras não só se dedicando à temática em voga como também publicizando suas ideias e ações.” Disciplinas que abordam conteúdos de Ensino de Filosofia são encontradas nos cursos de licenciatura em Filosofia das universidades federais. Formalizá-la como linha de pesquisa no âmbito das agências de fomento e nos programas de pós-graduação em Filosofia significa seu reconhecimento.

 

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* Para ver gráficos completos, acesse o link em pdf: A área Ensino de Filosofia nos cursos de licenciatura em Filosofia: um estudo preliminar

 

(1) O texto apresenta resultados parciais de uma pesquisa que se encontra em andamento.
(2) Professor do Departamento de Filosofia (UFS), PPGF/UFS e Prof-Filo/UFPE. É integrante do GT Filosofar e ensinar a filosofar.

Referências.
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Filosofia, História, Geografia, Serviço Social, Comunicação Social, Ciências Sociais, Letras, Biblioteconomia, Arquivologia e Museologia. Resolução nº 492/2001/CNE, aprovada em 3 de abril de 2001. Brasília.

OLIVEIRA, Paula Ramos de. A formação do professor de Filosofia: entre o geral e o particular. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação. Brasilia, n.24: maio/out, p. 221-231, 2015. Disponível em "https://periodicos.unb.br/index.php/resafe/article/view/4763". Acesso em 16 de setembro de 2020.

VELASCO, Patrícia Del Nero. Ensino de Filosofia como campo de conhecimento: brevíssimo estado da arte. In.: Revista Estudos de Filosofia e Ensino, v.1, n.1, p. 06-21. Rio de Janeiro, 2019a. Disponível em https://revistas.cefet-rj.br/index.php/estudosdefilosofiaeensino/article/view/419. Acesso em 1º de setembro de 2020.

______. O que é isto - O prof-Filo? In.: O que nos faz pensar, v.28, n.44, p.76-107, jan.-jun. Rio de Janeiro, 2019b. Disponível em http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio.br/index.php/oqnfp/article/view/659. Acesso em 1º de setembro de 2020.

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