Estoicismo não é Autoajuda

Aldo Dinucci

Professor de Filosofia da UFS

Vilmar Prata

Doutorando em Filosofia pela UFS e Bolsista CAPES

16/04/2021 • Coluna ANPOF

Quem eram os estoicos na Antiguidade? Eis a pergunta que um aluno me fez recentemente. Pelo que ouvimos por aí nos dias atuais, podemos chegar a imaginá-los como atletas morais e físicos, preocupados em aumentar sua 'resiliência' ou em manter sua saúde mental, como se fossem os modernos coaches ou os famosos escritores de autoajuda hodiernos. Essa ligação do estoicismo como autoajuda parece se originar da América do Norte, berço deste gênero de literatura. De fato, alguns escritores norte-americanos se apropriaram de ideias estoicas como algo que, segundo eles, pode melhorar a adaptação do indivíduo ao meio em que vive e fazê-lo prosperar social e financeiramente. Mas é isso o que buscavam os estoicos na Antiguidade? Para isso escreviam seus livros?

Se olharmos para os principais estoicos antigos, um quadro totalmente diferente emerge. Zenão de Cítio, o mercador fenício que fundou o estoicismo, voltou-se para a filosofia após ler as Memoráveis de Sócrates. Passou, então, a frequentar escolas de filosofia, se interessando por cosmologia, cosmogonia, política, ética e lógica. A ele se juntaram outros intelectuais que passaram a discutir essas questões perto da Ágora Ateniense: Perseu de Cítio, Arato de Sólis, Atenodoro de Sólis, Dioniso de Heracleia, Hérilo da Calcedônia, Cleantes. Este primeiro grupo era conhecido como os zenonianos. A alcunha ‘estoico’ só foi criada mais tarde em referência ao local onde se reuniam, o Pórtico Pintado de Atenas, a Stoa Poikele.

Os interesses intelectuais de Crisipo de Sólis, o segundo fundador do estoicismo, são igualmente vastos: cosmologia, física, cosmogonia, lógica e ética. Escreveu centenas de livros. Sua lógica, extremamente avançada, é muito similar àquela que Frege desenvolveu no século XX.

Daí em diante, os estoicos cultivaram as três partes da filosofia estoica, lógica, física e ética, com diferentes ênfases.

Alguns se dedicaram sobretudo à lógica, tais como Crínis, mencionado por Epicteto; Díocles de Magnésia, de quem nos chegou um epítome de lógica estoica; Antípatro de Tarso, o primeiro humano a conceber silogismos de uma única premissa; Diódoto, professor de lógica de Cícero.

Outros se dedicaram à astronomia, como Eratóstenes de Cirene, primeiro ser humano a calcular com apuro da circunferência da terra; Gêmino de Rodes, astrônomo e matemática, que foi homenageado com seu nome dado a uma cratera lunar por seus grandes feitos científicos; Cleomedes, que escreveu um tratado de astronomia que nos chegou, também homenageado em uma cratera lunar.

Outros foram grandes gramáticos, como Crates de Malos, Estilo, Cáremon de Alexandria.

Outros foram polímatas, como Panécio de Rodes e Possidônio de Rodes.

Estes dois últimos integraram também o grupo dos filósofos influentes politicamente e frequentadores das altas rodas da política romana: Panécio foi amigo de Cipião Emiliano; Possidônio foi admirado por Cícero e Pompeu. Recuando um pouco no tempo, temos o próprio Zenão de Cítio, que escreveu uma República, idealizando uma sociedade comunitarista; após, temos Esfero de Borístenes, que foi conselheiro do monarca espartano Cleómenes. Já no período romano, temos Catão, Sêneca, Trásea Peto, Pacômio Agripino, Flávio Arriano, Musônio Rufo, Marco Aurélio, todos figuras destacadas da política romana. O próprio Epicteto mantinha uma escola, em Nicópolis, para a elite romana, os futuros governantes do império. Como ele deixa claro muitas vezes (como nas diatribes 1.29 e 1.30), seu objetivo era preparar bons e honestos administradores para o império, que se não se dobrassem à corrupção ou ao medo diante de pessoas em posições hierárquicas superiores.

Por fim, temos os que escreveram sobre ética, como Crisipo, Panécio, Possidônio, Hiérocles. Entretanto, devemos destacar que falavam sobre ética buscando estabelecer os princípios de uma moral fundada no ser humano como animal racional, social e afetivo. Em outros termos, buscavam constituir uma ética naturalista. Essa ética naturalista, por outro lado, se baseia em uma visão científica da realidade. O estoico antigo, de alguma forma como Carl Sagan no século XX, tinha uma experiência estética e moral a partir da contemplação do Cosmos. Como nos diz Possidônio:

[O objetivo da vida] é contemplar a verdade e a ordem de todas as coisas juntas e ajudar a promovê-la tanto quanto possível, não se deixando levar pela parte irracional da alma. (Possidônio, Fragmento 186).

Assim, os estoicos, diferentemente dos cínicos, que se concentravam totalmente na ética e viviam de uma forma por assim dizer moralmente atlética, eram sobretudo intelectuais muito influentes social e politicamente na Antiguidade, ocupados com todos os campos do saber científico humano. Mas aqui cabe a pergunta: apesar de não serem escritores de autoajuda, os estoicos antigos são ainda capazes de nos ajudar em nossa vida diária? Sim, se nos deixarmos despertar por seu chamado à ciência e à contemplação das belas coisas da Natureza e encontrarmos por aí nosso lugar e nossa função no mundo. Mas devemos nos lembrar que foram acima de tudo filósofos e cientistas.

Em suma, os estoicos eram grandes intelectuais da Antiguidade, ocupados com as questões científicas e políticas mais importantes de sua época. A autoajuda toma e populariza algumas de suas ideias, como o faz com ideias da física, da religião, da psicologia. O leitor, entretanto, deve se precaver contra os aproveitadores de ocasião que, sem qualquer formação e objetivando tão somente aliviar os incautos de alguns preciosos trocados, surgem nas redes sociais oferecendo o estoicismo como fosse uma panaceia universal contra todos os males humanos.

Além disso, engana-se quem toma o estoicismo como um emaranhado de teorias que alivia o grau de responsabilidade do sujeito em relação à sua própria vida. Ao contrário, a filosofia estoica implica práticas disciplinares que despertam o sujeito para a urgência que é tomar as rédeas da própria vida e não se apoiar em discursos falaciosos que alienam o indivíduo de si mesmo, transformando-o em uma criatura de fácil controle e manobra. Nota-se que o pensamento estoico é voltado a viabilizar as ferramentas teóricas para que o indivíduo se torne um sujeito de práticas que o direcionem à sua própria verdade, um sujeito de si, um sujeito que se constitui continuamente, deixando o lugar de simples criatura e assumindo sua real responsabilidade para com a própria vida, para com a vida do outro e, principalmente, para com todo universo, porque ele, enquanto sujeito individual, faz parte deste universo.

A relação com o outro não consiste de modo algum, como pretende o discurso de autoajuda dos tempos atuais, em uma dependência na qual o sujeito fica à mercê das palavras estratégicas de um suposto guru que se coloca e é colocado como detentor de uma suposta receita pronta de como ser bem-sucedido na vida, como ser uma pessoa feliz financeira e afetivamente. Se a regra é ser feliz a qualquer custo, essa regra foge da máxima filosófica que é o conhece-te a ti mesmo, porque conhecer-se a si mesmo é exatamente não fugir das complexidades que isso significa. É, em suma, um contínuo e árduo processo de enfrentamento de si.

O estoicismo não oferece ao sujeito um oásis, ou regrinhas para ser bem-sucedido nos negócios, nas relações interpessoais e principalmente na relação consigo mesmo. O estoicismo compreendeu a máxima filosófica citada acima como uma responsabilidade que parte primeiramente do próprio sujeito, sendo o outro apenas um colaborador nesse processo, auxiliando-o em sugestões e orientações que possam promover esse movimento de constituição de si. O mestre estoico, como Sêneca, por exemplo, é aquele que ouve seu discípulo, discute com ele o problema apresentado e sugere vários cenários possíveis para resolver da melhor maneira possível o impasse. Porém, nunca, jamais, em hipótese alguma, o sábio estoico vai criar uma relação de dependência e muito menos estabelecer um jogo de troca de favores numa atmosfera onde a bajulação e as recompensas materiais passam a ser o sopro que movimenta essa bandeira insuflada pela vaidade dos que se julgam sábios e dos que querem ser controlados e dirigidos por esta suposta sabedoria.

Os gurus do estoicismo da prosperidade, como seus similares religiosos, os teólogos da prosperidade, que dão a si mesmos a autoridade de clérigos tradicionais, que, por sua vez, se debatem entre escândalos financeiros e sexuais para manter a autoridade de seus discursos já vazios de sentido e moral, nada fazem senão produzir uma verborragia que ofende o autêntico discurso que ecoou há séculos no Pórtico. Cabe aos filósofos e filósofas da atualidade que se dedicam ao estudo do estoicismo o grande desafio de não deixar que desviem o foco, não permitir que distorçam a filosofia estoica e reduzam seu conteúdo a um punhado de verbetes medíocres e presunçosos, nos quais a verdade de si não passa de moeda de troca barganhada por mentiras bem contadas a ouvidos que não sabem ouvir, mas apenas escutam os ecos da ignorância camuflada de sabedoria.