Onde estão os filósofos?

João Pedro Andrade de Campos

Doutorando em Filosofia pela UFG

01/09/2021 • Coluna ANPOF

Os leitores responder-me-iam à questão expressa no título deste texto, naturalmente, dizendo que, ora, os filósofos estão nos cursos de filosofia. Os que assim pensam, vejam bem, não estão equivocados. Porém, eu gostaria de insistir na questão inicial e associá-la a uma mais recorrente desde que nos interessamos pelo filosofar: afinal, o que é filosofia? Em sua acepção mais conhecida, respondemos que ela é a velha amizade pelo saber. Todavia, “a prometida amizade pelo saber somente se cumpre se a investigação for levada até seu limite, cair no abismo onde se perdem suas raízes” (GIANNOTTI, 2011, p. 22). Minha intenção é, de alguma forma, tecer algumas provocações ao modo como lidamos com essa atividade, o filosofar, enquanto professores, pesquisadores e alunos a partir das duas questões anteriores: qual é o nosso lugar? Do que nos ocupamos?

Recentemente, recordei-me de um texto, Discurso aos estudantes sobre a pesquisa em filosofia, que li ainda no curso de graduação em filosofia e que me marcou muito à época – o autor é Oswaldo Porchat Pereira. A argumentação realizada por Porchat Pereira evoca a necessidade de pensarmos se em nossos cursos de filosofia estamos, realmente, fazendo filosofia ou história da filosofia. O autor, é importante dizer, não está elencando uma superioridade de uma atividade sobre a outra, mas chamando a atenção para o fato de que elas são diferentes. Complementares, porém diferentes. No bojo das reflexões empreendidas neste texto, gostaria de destacar o que me parece ser o ponto sobre o qual converge sua motivação fundamental, “a elaboração de uma reflexão filosófica, a compreensão filosófica de nós mesmos e do mundo” (PORCHAT PEREIRA, 2010, p. 23).

No Discurso aos estudantes, como mencionei, não há propriamente uma oposição entre a  filosofia e sua historiografia. O que ganha, de fato, dimensão relevante neste caso é o peso, grande parte ainda presente e, por outro lado, já em constante transformação do espaço reservado ao estudo de temas datados e que, como diz o autor, “pertencem ao museu das antiguidades curiosas, que somente o especialista em historiografia filosófica das épocas passadas precisa eventualmente conhecer” (PORCHAT PEREIRA, 2010, p. 25).

Obviamente, estou fazendo um recorte do Discurso para tentar atingir as questões com as quais iniciei este texto. Não é o caso, portanto, nem do autor em discussão e nem do meu, menosprezar a leitura dos clássicos. Deixando, todavia, esta matéria em repouso, o que penso que deveria ser motivo para nossa disposição constante, como professores, pesquisadores e alunos seria rumarmos para mais experiências, para mais tentativas, para mais erros, para mais atividade. Neste sentido, seria oportuno que os “filósofos” descessem a escada de sua torre de marfim e questionassem a si próprios e a seus estudantes acerca dos problemas que dão o tom de nossa época, daquilo que, em muitos casos, foi o motivo que os levou a se interessar pela filosofia. O papel de um mestre, de um professor, nesta virada de perspectiva seria ainda mais decisivo, pois não bastaria erudição, o recurso à citações de trechos no original, mas seria ainda mais importante saber escutar, corrigir excessos e orientar seus estudantes em direção à conquista de uma autonomia em pesquisa. Não se trata de eliminar o erro. Pelo contrário, o erro aqui significa em si mesmo um desejo de criação. De dar substância à vida e de enfrentar os problemas que dela jorram.

O que se dá com a vida que elimina, que quer e que precisa eliminar de seu horizonte toda e qualquer possibilidade de erro e de risco? Sem dúvida, ela instaura como sendo então seu elemento, seu “medium” o uniforme, o monótono, o estéril – enfim, o deserto. Não há mais criação. Não há mais, a partir do velho, a emergência do novo, do inédito, do inesperado, do incerto e do inseguro – do risco (FOGEL, 2009, p. 72).

Até agora me detive em dizer alguma coisa sobre nosso lugar no estudo da filosofia. Este lugar que só pode ser ocupado enquanto vamos em sua direção, enquanto fazemos certo esforço e certo repouso. Um lugar que para ser conquistado requer certa distância. Mas o que se conquista, a própria filosofia?

Compreender o que é a filosofia talvez tenha sido a questão primeira que motivou muitos de nós. Alguns, e me incluo entre eles, ainda engasgam quando indagados: O que é filosofia? Apoio-me aqui nas palavras de Gilvan Fogel para ir ao encontro desta questão:

Filosofia, portanto, não é nenhuma “coisa” – conteúdo ou continente, valor, doutrina, teoria existente a respeito disso ou daquilo; “cultura”, de modo geral, mas um modo de ser ou uma dimensão do homem, da vida, que precisa revelar-se para nós e, assim, ganhar vida e corpo, isto é, densidade, espessura, à medida que se faz ação, atividade, ou seja, à medida que se concretiza, se realiza (FOGEL, 2009, p. 31).

A filosofia entendida como dimensão de nossa vida, daquilo que nos é próprio, parece ser um ponto seguro do qual partir para esta atividade. Formaríamos quimeras e figuras bizarras se, sequer, fosse possível nos apartarmos dela. Mais uma vez, não se trata de ignorar o velho, o que já passou e que está empoeirado nas prateleiras da história. Afinal, a filosofia é coisa viva e da vida, por isso, então, não ignorar os clássicos é parte importante, também, para nossa formação. O diálogo significativo que pode advir destes retornos certamente nos ajudará a ver com outros olhares e outras perspectivas reflexões sobre os nossos problemas. Eles podem nos auxiliar, então, sobre como lidar com aquilo de comum que nos afeta. Eles podem nos inspirar. Trata-se, contudo, de arriscar, de filosofar, de fazer como na música de Chico César: caminhar, se perder enquanto conhece o caminho [1].

 

Referências

FOGEL, Gilvan. Que é filosofia? - Filosofia como exercício de finitude. Aparecida, SP. Idéias & Letras, 2009.

GIANNOTTI, José Arthur. Lições de filosofia primeira. São Paulo. Companhia das Letras, 2011.

PORCHAT PEREIRA, Oswaldo. Discurso aos estudantes sobre a pesquisa em filosofia. Fundamentos, V. 1, N. 1 – SET. - DEZ, 2010. p.18-33.

 

  1. “Caminho se conhece andando/Então vez em quando é bom se perder/Perdido fica perguntando/Vai só procurando/E acha sem saber/Perigo é se encontrar perdido/Deixar sem ter sido/Não olhar, não ver”. CÉSAR, Chico. Deus me proteja. Disponível em: https://www.letras.mus.br/chico-cesar/1281067