PEC: 241 – a segunda parte do golpe?

Susana de Castro

UFRJ/PPGF; Presidente da Anpof; Integrante do GT Filosofia e Gênero da Anpof

14/10/2016 • Coluna ANPOF

Por 376 votos a 111, foi aprovada em primeiro turno a PEC:241, proposta de emenda constitucional que congela por vinte anos o gasto da união com saúde e educação, estabelecendo-lhe o teto da inflação do ano anterior, como se nesse período não crescessem nem a população nem suas necessidades. A ideia absurda dessa proposta de ajuste fiscal é a de que os problemas econômicos vão ser resolvidos na medida em que nos próximos vinte anos o investimento em áreas como saúde e educação caírem progressivamente em relação ao crescimento da economia, o PIB. Como a previsão é a de que a população brasileira aumente em 20 milhões, então o gasto per capita do governo com a população também cairá. Ou seja, se o gasto per capita já é muito pouco e não cobre com os direitos básicos, a situação ficará muito pior.

Se o deputado Eduardo Cunha não tivesse sido cassado teríamos, a favor da emenda, o mesmo número de deputados que aprovaram a abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma (377). Parece que um fato não está separado do outro visto que ambas estão fundados em atos inconstitucionais: o impeachment da Dilma sem crime de responsabilidade, e a PEC 241 que desobriga a União de cumprir com os artigos fundamentais da Constituição Federal. Contando com o apoio da mídia oligopolizada, o governo ilegítimo já havia conseguido acabar com a obrigatoriedade da participação da Petrobrás em pelo menos 30% da exploração do Pré-sal, o que tanto mais grave se torna quando se sabia que, no governo Dilma, todos os recursos arrecadados pela União na exploração do Pré-sal seriam aplicados em educação. Somente pelo investimento massivo em educação, mediante o aumento dos investimentos dos atuais 3,7% para 10%, como preconiza a lei nr. 13.005/2014 que regulamenta o Plano Nacional de Educação, conseguiremos realmente elevar o patamar de desenvolvimento do país. De Pátria Educadora para Ponte para o Futuro há um abismo. O plano de governo eleito nas urnas foi outro. Depois de tirar milhões de pessoas da miséria absoluta através de uma política mínima de distribuição de renda, era preciso aumentar substancialmente os investimentos na educação para que esse ganho mínimo de renda fosse permanente, sem a necessidade do apoio de auxílios do governo. Esse plano de governo, aprovado nas urnas por 54 milhões de eleitores, foi autoritamente destruído pelo golpe.

Quase metade do orçamento da União para 2014, 45,1 %, isto é, R$ 978 bilhões, foi destinada ao pagamento da dívida pública aos bancos. Segundo o IPEA a saúde poderá perder R$ 743 bilhões se a PEC 241 for aprovada. Por que os círculos políticos dominantes e a mídia corporativa defendem essa redução dos gastos, que afetará tão drasticamente a educação e a saúde dos mais necessitados, e imporá nosso maior atraso científico e cultural? Na última década foram criadas novas universidades Federais em áreas antes isoladas, como a Universidade Federal do Cariri, a Universidade Federal do Recôncavo Baiano, a UNILAB de Cruz das Almas, e inúmeras outras, que carecem de mais recursos para a sua consolidação. Qualquer pessoa minimamente sensata sabe que congelar o investimento em educação por 20 anos é condenar o país à estagnação. A valorização da educação formal, universitária e escolar, precisa se dar, em primeiro lugar, através da valorização da profissão docente, do ensino básico às universidades. Se este governo ilegítimo propõe diminuir gastos com saúde e educação, certamente os recursos para outras áreas, como Cultura e Direitos Humanos também minguarão.

Talvez possamos dizer que a fala do deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) expresse bem a motivação por trás dessa PEC 241, chamada pelos representantes dos movimentos sociais de PEC da maldade. Ele disse “quem não tem dinheiro, não estuda”. Inacreditável que um deputado Federal tenha a desfaçatez de fazer uma afirmação dessas. Um deputado eleito para defender os interesses do seu país deveria saber que justamente quem não tem dinheiro é que deveria receber apoio financeiro do Estado para adquirir um ensino com qualidade e assim superar as dificuldades inerentes a sua situação social desfavorecida. Mas, não nos enganemos, sua fala representa a mentalidade deste congresso que aí está constituído por ruralistas, empresários, policias, pastores e pouquíssimos trabalhadores. Como disse recentemente Mino Carta em entrevista à revista Caros Amigos, a classe dominante brasileira quer voltar ao tempo colonial em que a sociedade era dividida entre Casa Grande e Senzala. Não estamos assistindo a implantação de uma ponte para o futuro, mas sim uma ponte para o passado.

Não há desenvolvimento e crescimento possíveis sem ampliação com os gastos com educação, na melhoria da formação dos profissionais de ensino, no aumento dos salários dos professores, na melhoria da infraestrutura da rede pública de ensino, escolar e universitária.

14 de Outubro de 2016.

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